Devaneios sobre Cuba no aeroporto de Havana

Devaneios sobre Cuba

Aeroporto Internacional José Marti, 00:17, dia 02/11/2016. Aqui estoy yo!. Pronto para deixar Cuba. Que país espetacular. Que Deus ainda proporcione muitos e muitos anos à Revolução Socialista aqui vigente até os dias de hoje. Claro que algumas mudanças viriam bem a calhar.

Daqui eu escrevo algumas das minhas mais sinceras impressões de um país que me fez pensar na vida que venho levando e como encaro as situações da rotina diária. Certo é que não são todos os viajantes que desembarcam aqui em Havana e conseguem abstrair as mesmas impressões que tive, sem dúvidas poucos são os que abrem mão de uma viagem de férias por praias caribenhas para única e exclusivamente compreender um pouco mais sobre o que acontece nessa nação tão revirada por capítulos mórbidos de uma história que até então ainda não parece ter desfecho.


Cantores cubanos em uma rua turística de Havana

Aqui nessa poltrona de aeroporto, fecho meus olhos e assisto a um filme que narra meus últimos e intensos 5 dias caminhando pelas ruas das vizinhanças mais famosas de Havana. Um filme de contrastes, de diferenças tão grandes e tão pequenas, tão próximas entende?! Um país que encontra-se a 90 milhas de Key West e que parece estar ainda há muito mais de 90.000 milhas da evolução proporcionada pelo capitalismo selvagem, comandada pelo “imperialismo” estado-unidense, encabeçada por Guevara, Cienfuegos e a família Castro.


Carro antigo estacionado em uma das ruas da Velha Havana

Que país espetacular. Um país de extremos vívidos e facilmente percebidos pelas ruas apertadas do centro histórico de sua capital. Algumas coisas me sensibilizaram facilmente: ver a facilidade dos mercados comandados pelo governo socialista que praticamente dá o básico de comida a um preço irrisoriamente acessível, mas que por outro lado faz com que dezenas de pessoas se enfileirem diante às portas de uma loja que vende “artigos de luxo”, tal como detergente, papel higiênico e pasta dental…

 


Cubanos enfileirados no centro de Havana para tentar comprar insumos básicos de limpeza

País este que tanto se orgulha dos benefícios da Revolução, mas que não consegue sequer socorrer a todos os idosos que perambulam pelas ruas esmolando um peso cubano, ou então revirando as caçambas fedorentas a procura de algo que para alguns pode ser lixo, mas que para outros pode ser alimento. Cenas de um filme de horror. Um país que se orgulha tanto do socorro que presta às pessoas mais carentes mas que não consegue facilmente socorrer àqueles que construíram a história da independência de sua nação.


Outdoor que aclama as conquistas da Revolução Cubana

É evidente perceber que o socialismo aqui tenta ir muito além dos paradigmas propostos por Stalin, desde que hoje não mais existe a União Soviética para sustentar aos cubanos como acontecia na década de 90. Como um dos únicos países socialistas do mundo, Cuba hoje tenta sobreviver firme a seus ideais meio que aos trancos e barrancos, se virando para competir em um mundo extremamente capitalista sem abrir mão de maneira alguma da idolatria aos Castro, é evidente perceber que não são todos os cubanos nas ruas que concordam com essa realidade, porém sobrevivem, tocam a vida felizes, super receptivos àqueles que desejam conhecer um pouco mais daquilo que de fato ainda é realidade por aqui.

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Mercado Agropecuário em Havana

Em vários momentos eu só queria ter o próximo voo agendado. Eu gritava pelas ruas de Havana que não queria mais, porém como em uma fração de segundo, algo novo acontecia, me fazendo cair de amores por Havana. Tanto amor que acabei cancelando tudo para poder viver exclusivamente 5 dias intensos conhecendo cada canto das principais ruas deste magnífico fenômeno ainda aqui disponível a todos que gostariam de experimentar algo novo.


Encontrando paisagens novas ao contemplar com mais calma cada uma das ruas de Havana

Acreditei piamente até então que a África me fazia voltar ao tempo. Cuba me levou além do tempo. Se revelou como uma pérola preciosa, um diamante arraigado no meio de uma montanha de carvão, uma coisa que sinceramente ainda não consigo traduzir em palavras. O filme ainda passa rápido, pronto, intenso em minha mente enquanto o carrinho de limpeza vai faxinando a área de checkin do Terminal 3. Ainda preciso de tempo para conseguir digerir tudo que meus olhos viram, todos os cheiros que meu nariz sentiu, todos os paladares que minha língua deliciosamente experimentou, todo o sentimento que ficou registrado em minha alma.


Visão geral de uma rua no centro de Havana

Tão longe da Polinésia Francesa, entretanto tão próximo na amabilidade na qual todos sempre me trataram, estou aqui agora pronto para deixar Cuba com um vazio no peito, como se estivesse realmente deixando um pedaço de mim para trás. Aqui as pessoas não têm tanta coisa, mas mesmo assim são capazes de lhe dar tudo e mais um pouco do que possuem. Fui de totalmente desconhecido a um cara que acabou fazendo amigos por todos os cantos que passei. Já não me era estranho quando alguém gritava o meu nome na rua em que fiquei hospedado em Habana Vieja, a Calle Curazao.


Conversando com amigos cubanos na Calle Curazao em Havana

Por ali tenho certeza que deixei amigos que me reconheceriam até mesmo se voltasse daqui a 20 anos. Comprando-se um ticket de avião para conhecer Cuba, compra-se também a oportunidade de voltar a um tempo onde o estado se preocupa de uma maneira tão especial com seus cidadãos, que é capaz de remover a todas as pessoas na marra de um lugar que esteja prestes a ser atacado por um furacão por exemplo. Recentemente o furacão Mattew passou por Baracoa, extremo sul da ilha cubana. Esse país se revelou a mim como uma das nações mais preciosas que já poderia ter conhecido até então. Algo mágico ainda acontece por aqui.


Heróis da Nação Cubana

A resistência ao imperialismo ainda pulsa nas opiniões das pessoas, assim como no primeiro dia em que o socialismo aqui foi implantado. O rosto de Fidel e Che Guevara ainda está pintado nas fachadas das escolas e hospitais. A história da Revolução Socialista Cubana ainda está sendo escrita, diariamente, em cada cafeteria de Havana Centro, em cada esquina antiga de Havana Vieja, ao longo das grandes avenidas de Vedado. Hoje, saindo de Cuba, sinto que a minha missão foi cumprida por aqui, mesmo que não tenha conhecido suas praias paradisíacas caribenhas ou suas cidades coloniais, sei que consegui escrever uma história diferente de tudo que havia planejado para esse destino, eu permiti que Cuba tomasse as rédeas dos meus dias por aqui e me mostrasse a sua verdadeira face, no semblante das pessoas sofridas pelo trabalho duro no Bairro Chino, no cafezinho servido na porta das casas, no cheiro de tabaco forte dentro dos ambiente fechados. Eu ainda poderia escrever aqui até o momento do meu checkin (que só acontecerá daqui a 3 horas), entretanto eu ainda preciso de um tempo comigo mesmo, para pensar em tudo que vi, em tudo que senti e em tudo que Havana me fez vivenciar. Cuba é um país para voltar sempre.


Cafézinho pelas ruas de Havana

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