Este foi um texto que escrevi enquanto estava em Havana. Você pode ler o devaneio que tive no aeroporto de Cuba também 🙂

Minha vida em Cuba foi do planejado ao improviso em questão de segundos. Ao desembarcar no aeroporto de Havana e ver que não teria condições de realizar o planejado, dediquei-me a compreender a realidade cubana sem sair da capital. Eu poderia muito bem fazer um tour pra Varadero e encarar o tempo nublado para conhecer o balneário praieiro mais explorado pelos visitantes deste país. Poderia também entrar em um ônibus e passar uns dois dias em Cienfuegos, que não fica tão longe assim aqui de Havana, mas porém quanto mais eu caminhava sem rumo pelas ruas do centro dessa cidade, mais eu me sentia preso a esta realidade.

Como é que eu simplesmente abro mão de compreender a realidade desse país que tenta levar adiante um modelo de socialismo um tanto quanto falido para me entregar aos prazeres do turismo de luxo em um país que de luxo não tem nada?! Eu poderia fechar os olhos e me internar em um resort all-inclusive de Cayo Coco, mesmo com tempo muito ruim, mas às vezes com o sol abrindo seriam belas férias não é mesmo!? De fato que seriam, mas não para mim.

Eu preferi ficar em Havana.

E até antes de adentrar essa realidade alternativa eu já tinha planos de férias em Cuba. Eles foram frustrados. Eu não consegui ir. Eu me senti muito motivado a permanecer em Havana e conhecer um pouco mais a realidade desse povo para enfim poder escrever posteriormente com a autoridade de quem ficou perambulando por 5 dias pelas vielas, jogando papo fora com jineteros (pessoas que tentam vender qualquer coisa a todo custo), vendo os meus minutos passarem enquanto contemplava casarões prestes a cair sentando em uma calçada qualquer.

Carros antigos estacionados em área central de Havana
Carros antigos estacionados em área central de Havana

Eu poderia fechar os olhos para a realidade dura enfrentada pelos cubanos para me entregar ao meu bel prazer turístico sendo servido cuba libre ou mojito na beira de qualquer praia paradisíaca cubana, mas quer saber!? Depois de ver tudo que tenho visto aqui eu sequer sinto motivação para conhecer as praias.

A verdadeira Cuba acontece nas ruas de Havana freneticamente. Conformismo satisfatório ou não, de fato tenho aumentado exponencialmente as minhas habilidades para o trato com aproveitadores de turistas, eles estão por toda parte.

Basta abrir a boca para te cobrarem de forma diferente. Você pode tentar fugir da sua nacionalidade mesclando-se aos cubanos, mas uma hora ou outra vão te descobrir e te cobrarão o preço para os “gringos”.

Sabe aquela frustração de sentar em um restaurante e pedir uma comida, ter que pagar 10 CUC (pesos convertíveis que se igualam aos euros), pelo mesmo prato que um cubano paga cerca de 40 MN (pesos cubanos são 25 para 1 euro).

Ropa vieja, prato típico da culinária cubana
Ropa vieja, prato típico da culinária cubana

Frustrante ou não, o que me resta é o aprendizado. Já sei diferenciar um “paladar” feito para os “gringos” e uma “cafeteria” feita para os cubanos. Um ao lado do outro, a mesma cozinheira, porém um cobra 10 euros pelo prato e outro cobra 2. E ambos são iguais, deliciosamente grandes o suficiente para saciar a fome por um dia inteiro, porém se você é um estrangeiro, então tem dinheiro para gastar e não vai pagar como se fosse um cubano, não até que você pegue “as manhas”.

Eu tenho prazer em aprender essas coisas, eu troco dias e mais dias tostando em qualquer praia para passar por aprendizados como esses, é praticamente impossível ir adiante e conhecer um país tão eclético sem dar atenção a estas particularidades que simplesmente não existem em outras partes do nosso amado planeta.

Casarão em uma das ruas de Havana Vieja
Casarão em uma das ruas de Havana Vieja

Cuba tem sido uma escola às avessas. Tenho nojo quando vejo magnatas cruzando em seus carros novíssimos. Asco por ver idosos vasculhando qualquer bagulho nas lixeiras fedorentas de Havana Centro. Que socialismo é esse que restringe o apoio imparcial a seus senhores, verdadeiras pilastras da República de Cuba, que com certeza escreveram uma história de luta para que hoje poucos possam regozijar da bonança próspera da Revolução. Me perdoe, mas é que são muitos e isso me entristece bastante.

Hoje fiquei por horas sentado em uma calçada apreciando a rotina de vida das pessoas. Como um fantasma eu analisava cada detalhe sem ser notado ali naquele canto de esquina. De bermuda e chinelos sujos, com os pés molhados de água da chuva, em nada eu parecia um “gringo” endinheirado, e isso me dava a invisibilidade necessária para absorver cada movimento diante dos meus olhos. Cuba acontece distante das praias paradisíacas do Caribe.

Cuba acontece nos Mercados comunitários onde um saco de arroz vale menos de 25 centavos da moeda nacional. Havana mostra a sua vergonha ao ostentar tantas diferenças em coisas básicas, tal como uma área de luxo no supermercado para produtos de higiene pessoal e limpeza. Chegam a ser expostos em vitrines as pouquíssimas marcas de detergentes e desinfetantes, que não podem ser comprados por todos os cubanos.

O que fazer em Cuba: Produtos de higiene e limpeza
Produtos de higiene e limpeza expostos em vitrines de lojas no centro de Havana

Com um salário mínimo de menos de 15 dólares, os cubanos lutam por uma independência ainda distante de sua própria realidade, tentam se equilibrar na corda bamba revolucionária que os obriga diariamente a encontrar meios cabíveis de vencer na vida, seja alugando o quarto de sua casa, ou vendendo comida pelos janelões centenários da sua sala de estar, ou prestando qualquer tipo de serviço turístico que seja.

É a maneira mais óbvia que todos encontram de burlar as adversidades propostas pelo socialismo de Guevara e Castro que se arrasta 2016 adentro, em pleno século XXI. Vejo a felicidade na cara desse povo humilde e batalhador como uma das maneiras de dar escape aos absurdos impostos por um socialismo que beneficia a poucos.

Não há fome, mas existe miséria por todos os lados, não há trabalho mas todos os dias existe uma nova alternativa para hospedagem, um novo cambista de wi-fi pelas ruas, um novo “jinetero” registrado no estado, pronto para assessorar na sua viagem. É a dura realidade de quem possui nacionalidade cubana e que se vê livre para ir e vir a qualquer país do mundo, mas que não sabe muito bem se existem países lá fora que irão aceitá-los.

O que fazer em Cuba: Pessoas aglomeradas para tentar comprar produtos básicos
Pessoas aglomeradas para tentar comprar produtos básicos de higiene, limpeza…

Autor
Luiz Jr. Fernandes
Luiz Jr. Fernandes
Sou um analista de sistemas, fotógrafo, autor deste blog e viajante profissional. Já conheci mais de 70 países em todos os continentes do mundo. As minhas matérias são 100% exclusivas, inspiradas em experiências reais adquiridas nos destinos que visito. Obrigado por ler e acompanhar o meu trabalho.
1 comentário publicado
  1. Jamais iria a Cuba pelos motivos descritos por esse viajante.Só quem acreditou que o socialismo acabaria com as diferenças,se desiludiu.De minha parte sempre desconfiei desse sonho e sou da época em que muitos se encantaram com essa falacia que só beneficia poderosos.

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