Cape Maclear é um vilarejo localizado na ponta sul do grandioso Lago Malawi, fronteira natural entre Tanzânia, Moçambique e o país que começamos a explorar no post anterior. Se por um lado havia sido difícil enfrentar a fronteira com a Zâmbia e depois o caótico terminal rodoviário de Lilingowe, enfim começava a parecer que nossos dias ficariam mais interessantes. Ninguém gosta de ficar chacoalhando dentro de um ônibus sem chegar a lugar algum, às vezes demorando horas para percorrer pouquíssimos quilômetros. Era preciso descansar e praticar a imersão cultural que este destino africano estava prestes a nos oferecer de maneiras tão surpreendentes.

Os moradores desse vilarejo levam a vida bem devagar, secando peixe pescado no lago, vendendo frutas, verduras e legumes em suas tendinhas organizadas nas portas de suas próprias residências; alguns bares, vários resorts praieiros, porém tudo muito simples, relamente uma humildade difícil de ser transmitida pelas minhas palavras ou fotos. Cape Maclear consiste-se basicamente de uma única rua de areia que corta a extensão da orla do Lago Malawi. É nesse lugar que os nativos levam suas vidas da forma que conseguem, alguns trabalham para os hoteis, outros possuem bares pequeninos, o comércio gira de forma arcaica porém tudo funciona explêndidamente.

Aqui o povo vive de uma forma realmente satisfatória quando analisamos os padrões da realidade local. Não há iluminação pública durante a noite em nenhuma região; tampouco há água encanada, calçadas, rua asfaltada, muros, janelas ou grades nas casas. Algumas sequer tem portas. As pessoas costumam caminhar descalças, principalmente as crianças. Só aqueles que se mostram com mais condições financeiras, ou que tem consguem trabalhar que possuiam um chinelo. Calçado é artigo de luxo, caro no câmbio de trocas local. As pessoas vivem no extremo da miséria, são familias que ganham a vida com 1 dólar ao dia e tentam de alguma forma ou de outra aproveitar o movimento do turismo local para conseguir engordar a receita mensal.

A vida normal dos moradores de Cape Maclear - Malawi
A vida normal dos moradores de Cape Maclear – Malawi

Há vários registros pela internet de que a melhor forma de chegar até Cape Maclear é pegar um ônibus no terminal rodoviário central de Lilongwe partindo rumo a Monkey Bay. Foi exatamente o que fizemos e acabamos ficando na mão no meio do nada. Eu acredito que seja mais fácil pegar um “dala-dala” que vá direto até Monkey Bay. Esse veículo é uma febre no Malawi. Não passam de VANS velhas viajando de vilarejos em vilarejos lotadas até a tampa. Apesar do desconforto, não há melhor alternativa para pingar de uma vila para a outra até conseguir chegar na famigerada Monkey Bay, portal de entrada para as maravilhas do Parque Nacional do Lake Malawi, o único dessa nação.

Enganam-se aqueles que registram que este lugar é propício para o turismo pois NÃO É! Como escutamos do próprio motorista da caminhonete que nos fretou até nosso destino final: “Monkey Bay não é um lugar para brancos!”. Já Cape Maclear possui estrutura básica para atrair turistas. Por aqui não há uma “alta temporada no turismo”, mesmo pois boa parte dos viajantes nessa região do planeta sempre estão por aqui de passagem para outros destaques do leste africano. Nós decidimos parar o rush dessa roadtrip por alguns dias e procuramos nos socializar com os nativos, compreender um pouco do estilo de vida, pretendendo imergir na cultura local da melhor forma possível.

Comércio de subsistência no Malawi
Comércio de subsistência no Malawi

Aqui o comércio é de subsistência. Quem tem milho vende para comprar tomates, ou ainda quem pesca acaba trocando seus peixes por água potável. Quer um meio mais saudável para comprar e vender? Existiam ainda artesãos que investem seus dias talhando madeira para confeccionar souvenirs, ou ainda pintando telas para tentar ganhar alguns trocados com os poucos turistas. Nessa oportunidade parecia que o Malawi enfrentava a mais baixa das temporadas.

Entretanto as pessoas sempre sorriam, perguntavam com fluência no inglês, de onde éramos, se precisávamos comprar algo, se poderíamos escutá-los por alguns minutos. Sim, todos estavam ali querendo vender algo, ou trocar alguma coisa, indicar um serviço, ou restaurante, um passeio. Por hora pensava que seriam atravessadores em busca de uns trocados a mais dos forasteiros, por outro conseguia compreender que aquela era a mais sensata lei da sobrevivência imposta pelos trágicos padrões turísticos da verdadeira África.

Crianças tomando banho no Parque Nacional Lago Malawi
Crianças tomando banho no Parque Nacional Lago Malawi

Boa parte das pessoas que não possuem tendas, lojas informais ou qualquer tipo de comércio ficam por conta dos afazeres domésticos: cuidam da suas casas, carregam lenha, lavam roupas e talheres nas margens do lago, tentam por ordem nas crianças e vivem suas vidas da forma mais pacata possível. Para nós, viajantes cansados da correria, do rush, da tensão dos terminais rodoviários africanos, Maclear foi um porto seguro, um lugar para se reestruturar e conseguir seguir adiante rumo à grande montanha da Tanzânia. Durante dois dias nós mergulhamos, caminhamos sem destino interagindo com os locais, comemos e bebemos cerveja, rimos com as piadas deles, tentamos nos socializar contando um pouco sobre a nossa cultura e tradição.

Nós também saímos em um tour de dia inteiro com um dos guias mais legais de toda viagem. Experimentamos de perto as belezas deste Parque Nacional, passamos o dia velejando e almoçamos em uma ilha inabitada no meio do lago, porém não foi preciso esforço algum para compreender a regra mais importante nessa região do planeta: as pessoas são definitivamente o grande diferencial desses lugares!

Lago Malawi em Cape Maclear
Lago Malawi em Cape Maclear

Refresquei meu corpo cansado nas águas mornas que banhavam a margem da prainha em frente ao Guecko Lodge, nossa alternativa de hospedagem no Lago Malawi. Grande parte dos turistas que visitam o Lago Malawi partem sem conhecer a refrescância de suas águas. Sequer arriscam um mergulho, pois sabe como é, estamos na África. Essas águas são conhecidas internacinalmente pela altíssima taxa de contaminação por esquistossomose ou bilharzíase, uma doença causada por vermes parasitas.

A água doce desse lago pode ser o mais eficiente meio de transmissão para esse tipo de verme, pois como você viu nessas montagens, os nativos usufruem dos recursos do lago para os mais diversos fins: lavam suas roupas, panelas, tomam banho e com certeza urinam (ou até defecam). Existiu um surto dessa doença em 1995 que afastou os mochileiros daquela região de forma implosiva para o turismo local. Nos próximos capítulos vamos discutir um pouco mais sobre os riscos de tomar banho nas águas de lagos como esse e conheceremos a fundo as maravilhas de Cape Maclear.

Autor
Luiz Jr. Fernandes
Luiz Jr. Fernandes
Sou um analista de sistemas, fotógrafo, autor deste blog e viajante profissional. Já conheci mais de 70 países em todos os continentes do mundo. As minhas matérias são 100% exclusivas, inspiradas em experiências reais adquiridas nos destinos que visito. Obrigado por ler e acompanhar o meu trabalho.

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