Depois de enfrentar os 3 dias de viagem que me levaram a sair de Goiânia e pisar na ilha irmã de Bora Bora, eu ainda tinha um certo receio de que tudo seria tão especial quanto definitivamente foi. Ainda sofrendo os reflexos do jet lag e a dúvida de que realmente teria tomado as melhores decisões enquanto definia o meu itinerário na Polinésia Francesa, desembarquei no aeroporto minúsculo e paradisíaco de Maupiti com uma certa dúvida de que minha solução de hospedagem daria certo. Acontece que a comunicação no ato da reserva havia sido um pouco estranha e acabei por alguns momentos acreditando que teria que me virar para encontrar um lugar para me hospedar no ato da minha chegada a Maupiti.
Vida normal nos motus próximos a Maupiti
Diferente de sua irmã mais velha, esta pequenina ilha nos confins do Arquipélago das Ilhas da Sociedade parece ter ficado esquecida no tempo. Enquanto sua irmã mais velha, a fenomenal Bora Bora se desenvolveu de maneira impressionante, Maupiti se isolou e hoje sequer conta com um ferry que a conecta a outras ilhas. Está isolada, sem resorts, sem grandes hotéis, sem opções de restaurantes finos, sem muito movimento por suas ruelas, algo que me fez cair de amores logo nas primeiras horas que comecei a descobrir como seriam meus próximos dias.
Vista das multi tonalidades de azul na lagoa de Maupiti
Dizem que Maupiti é hoje o que Bora Bora foi há mais de 30 anos atrás. Aqui não existem bungalows sobre as águas claras da lagoa, não existem também serviços de transporte estruturados, não há ônibus, não há táxis, não há semáforos, aqui realmente a vida parece passar mais devagar do que nas outras ilhas do Taiti. Isso tudo me fez pensar bem nas minhas alternativas de hospedagem, cheguei a desembarcar naquela ilha com apenas alguns nomes de pensões para utilizar como escape caso as minhas combinações via internet dessem errado. Comunicações essas que realmente foram bem complicadas, poucas pessoas falam inglês em Maupiti, fui descobrir isso depois de ter mandado vários e-mails e não ter obtido praticamente nenhuma resposta. Eles não falam inglês, não traduziam as minhas mensagens e meus comunicados ficavam sempre pelo caminho.
Uma bela madrugada encontrei um lugar que parecia ser bem interessante e que poderia realmente ser a minha solução para me hospedar em um lugar que sequer tem listagens nos sites de reservas internacionais. Eu conheci o blog da Tehei, e comecei a procurar os relatos na internet sobre a sua pensão, a Teheimana. Mandei alguns e-mails para ela tentando reservar o lugar para as minhas 3 diárias, mas parecia que ainda assim as minhas mensagens eram perdidas. Decidi traduzir para francês e mandar novamente e miraculosamente consegui receber uma resposta apenas 30 minutos depois de ter enviado o pedido de reserva.
Conheci toda ilha antes de ir pra casa
A Tehei me respondeu me propondo uma missão complicada. Perguntou se realmente eu era brasileiro e disse que faltava um instrumento musical para a sua “bandinha local” era um djembê, um instrumento de percussão, ela disse que eu poderia me hospedar de graça em sua pensão caso conseguisse levar esse instrumento (e ela também pagaria por ele em euros). Eu revirei Goiânia de cabeça para baixo e não consegui encontrar um instrumento desse à pronta entrega, eu levaria com todo o prazer, porém nesta oportunidade não consegui (e fiquei realmente muito arrependido, pois eles realmente precisavam disso).
Bom, ficamos combinados que ela me colocaria para dormir em um quarto improvisado que ela tem em sua sala de estar, algo simples, muito humilde, porém realmente muito acolhedor e o melhor de tudo isso? Ela me cobraria apenas o preço das refeições (meia pensão = café da manhã e jantar). Por apenas 25 dólares diários ela me recebeu em sua casa mesmo sem o djembê e me introduziu a certamente uma das experiências mais incríveis que poderia viver nos meus primeiros dias na Polinésia Francesa.
Tomando café da manhã na pensão Teheimana
Antes de ir para casa e conhecer o meu quarto, o pai da Tehei me recepcionou no cais do vilarejo e me levou para conhecer toda a ilha antes mesmo de partir para a pensão. Ele foi realmente muito gentil comigo, todos da família foram extremamente amigáveis, companheiros, estavam felizes por me recepcionar e aprender um pouco da língua portuguesa (mesmo não conseguindo nos comunicar praticamente nada pois eles só falavam francês). Me levou nos lugares mais bonitos da ilha, me mostrou onde poderia comer, como eu poderia me locomover, tudo isso com apenas algumas palavras muito básicas em inglês (e muitos gestos também!). Quando cheguei à pensão, a mesa estava posta para o café e eu estava varado de fome (lembra que tinha passado a noite no aeroporto do Papeete?!)
Eu só queria tomar aquele café da manhã, deitar na cama e fechar os olhos por alguns minutos, só que o tempo lá fora estava tão bonito que decidi deixar para dormir apenas durante a noite. Comemos frutas frescas, melancias, laranjas, pães com geleia francesa, sucos e leite com achocolatado (tudo em pó). Deitei e descansei por algumas horas antes de começar as explorações. O meu quarto não tinha nenhum tipo de privacidade e eu estava achando isso o máximo. Larguei minhas coisas todas espalhadas pelo cômodo que era usado como cozinha pelos familiares da Tehei e fechei os olhos por alguns momentos, sentindo o quão distante estava de casa e como as pessoas ali haviam me recepcionado bem!
Meu quarto improvisado na sala da Teheimana
Como você pode ver na foto anterior, o quarto era muito simples, uma cama de casal de bambu, um grande ventilador para amenizar o calorão que faz por aquelas bandas e três portas que possibilitavam a entrada de vento de uma maneira esplêndida. Durante 3 dias meus pertences ficaram jogados nesse quarto, com as portas sem trancar, sem um cofre, sem nenhum tipo de segurança e quer saber?! Eu nunca me senti tão seguro num lugar remoto em toda vida!
Descansando depois de várias horas de viagem entre o Brasil e a Polinésia
A Tehei ainda possuía vários quartos dentro da casa, bem mais organizados e “seguros” (se é que existe receio por não ter isso em Maupiti), porém mais estruturados para famílias ou casais. Como eu estava sozinho não poderia estar em um lugar mais agradável, o quarto era tudo que eu precisava para deixar as minhas coisas durante o dia e para repousar durante as noites, no resto do tempo eu estive muito ocupado para estar dentro de um quarto, desbravando, mergulhando, subindo montanha, vivendo a vida com a máxima intensidade possível em um destino verdadeiramente paradisíaco.
Meu quarto improvisado em Maupiti
Na pensão da Tehei fui informado que só existia uma praia mais próxima ao vilarejo, que para ver as praias dos motus (ilhas isoladas) era preciso contratar um passeio de barco, o que realmente é a mais pura verdade, porém para meu primeiro dia eu poderia pegar uma bicicleta (que estava incluso nas facilidades ofertadas pela Tehei aos seus hóspedes) e dar uma volta na ilha, conhecer os melhores lugares com calma, ou simplesmente poderia caminhar pelo motu até chegar à Tereia Beach, a principal praia de Maupiti. Eu escolhi a segunda opção e fui devidamente guiado pelo Rex, um dos cachorros da família da Tehei.
Meu guia pessoal em Maupiti, o cachorro Rex
O Rex foi meu melhor amigo em Maupiti. Amor à primeira vista, ele não desgrudou UM MINUTO SEQUER da minha cia. Eu não precisava convidar e lá estava ele me guiando, me levando para conhecer os melhores lugares da ilha, me deixando saber dos seus segredos ele parecia ter a inteligência de um guia experiente para me acompanhar até seus lugares mágicos. Porém para contemplar um dos mais espetaculares momentos da minha viagem em Maupiti, o Rex certamente não precisou de se preocupar em me acompanhar (inclusive ele ainda estava dormindo), foi o nascer do sol na varanda da casa da Tehei com vista para a lagoa de Maupiti. Um verdadeiro espetáculo da natureza.
Paisagens espetaculares na Polinésia Francesa
A localização da casa da Tehei é um pouco descentralizada. Foi aí que entendi os motivos do pai dela ter ido me buscar no porto de carro. Era um pouco longe da civilização (e isso me fazia sentir cada vez mais em contato íntimo com essa ilha). Percorremos as estradinhas de Maupiti até chegar a um dos pontos mais longínquos do vilarejo, porém estávamos muito próximos da principal praia da ilha, não precisava de mais do que 10 minutos caminhando pelo motu, com o pé na areia para chegar até o “point” principal da irmã de Bora Bora. E sempre, mesmo de bicicleta, o Rex estava lá para me mostrar a direção certa, brigar com os outros cachorros no caminho para me defender, ele foi meu melhor amigo e certamente também sentiu isso vindo de mim enquanto estávamos juntos desbravando Maupiti “Paradise”.
Rua deserta em Maupiti – Polinésia
No segundo dia peguei uma das bicicletas da Tehei e sai para conhecer a ilha ao meu tempo. Eu já tinha passado todo dia em um motu picnic com a família da Tehei e este foi o complemento ideal para um dia fantástico em Maupiti. Vi o sol se por na praia, pedalei por vários quilômetros para esticar as pernas, eu estava me sentindo mais vivo do que nunca!
Minha companheira de passeios em Maupiti
No segundo dia pela manhã eu fui apresentado ao Cliff, o marido da Tehei, o cara da bandinha que ela havia mencionado. Ele nos levou pro picnic em sua embarcação, foi um dos caras mais espetaculares que conheci nessa viagem (ainda assim sem saber falar inglês hein!) Nos comunicamos das maneiras mais engraçadas possíveis e ele sempre tinha um sorriso no rosto para tentar me compreender e assim direcionar suas respostas com seu inglês basicão. Puxa vida, esse cara me mostrou as belezas do bailar das raias manta, me levou para uma ilha isolada onde almoçamos comida tipicamente nativa (cozida em um forno construído no meio da areia da praia), esteve próximo, fez questão de ajudar sempre e o melhor de tudo: ele nunca esperava nada em troca além do meu sorriso de satisfação e agradecimento 🙂
Marido da Tehei, o Cliff, me levou pra um dos melhores passeios de barco que já fiz na vida
E o que falar da Tehei?! Eu sequer consigo descrever bem essa pessoa para você sem me emocionar lembrando das coisas que ela fez junto comigo, do sabor de sua comida, da prestatividade e felicidade em ter um brasileiro hospedado no quarto improvisado em sua sala de estar. Eu vou ser sempre agradecido a esse casal e sem dúvidas ainda quero voltar a revê-los em outra oportunidade (e ainda nessa vida hein!)
Tehei e suas saladas de peixe cru
E por falar em COMIDA, os 25 dólares que ela me cobrou apenas pela alimentação foram sem dúvidas ínfimos perto da qualidade de tudo que ela me serviu nesses jantares com vista para a lagoa. Quando vi o pai dela se organizando para fazer um churrasco no final do dia, eu certamente estava ao redor por ali, tentando entender como ele faz o fogo com cocos, como ele sela o peixe para não pregar na grelha ou simplesmente para tentar detectar quais eram os condimentos que ele utilizava em seu molho secreto (e muito saboroso!)
Pai da Tehei preparando um churrasco de Mahi Mahi
Precisa de dizer que foi um dos melhores peixes que já experimentei na vida?! Olha a cara dessas postas!
Peixe assado, prestes a ir pra mesa
Ao cair da noite a Tehei começava a preparar a mesa para o jantar, do lado de fora da casa, em um rancho construído à beira da lagoa, lugar este que nos brindou com uma refrescante brisa enquanto aguardávamos o momento certo de devorar as deliciosas iguarias taitianas devidamente produzidas pelas mãos de ouro da Tehei. Como estamos em uma ilha no meio do Pacífico é evidente que não teríamos uma variedade muito grande de carnes, porém eu sequer lembrei que existia cupim, contra filé, alcatra ou picanha, eu estava de olho mesmo era no churrasco de peixe que o pai da Tehei estava produzindo (e que cheirava muitíssimo bem!)
Mesa organizada para o jantar na Pensão Teheimana
O jantar era servido sempre com o final do dia e todos os hóspedes da pensão eram convidados a desfrutar desse momento juntos, como em uma grande família. Nesta oportunidade uma família de franceses estava presente na pensão da Tehei, foram as pessoas que salvaram a minha comunicação nas noites em que nos reuníamos para jantar. Com meu francês ainda muito cru, eles faziam questão de traduzir tudo para que eu pudesse compreender os assuntos que estavam sendo discutidos em francês. Eu me sentia parte de uma grande família de pessoas que até então eram extremamente desconhecidos.
Saladinha espetacular de atum cru com cebolas, pimentões, tomates e um tempero especial
Bom a comida da Tehei é espetacular. Sou suspeito por falar da comida dela visto que amo peixe cru, então praticamente boa parte do cardápio era composto por iguarias que levavam peixes como atum e o mahi mahi (dourado do mar). Particularmente o Poisson Cru foi o prato que mais me conquistou, a Salada Taitiana da Tehei é um espetáculo, receita tradicional das ilhas do Taiti, o Poisson Cru leva pequenas fatias de peixe cru fresco e pode levar leite de coco entre outros condimentos.
Banquete na Pensão Teheimana – Maupiti – Polinésia Francesa
A Tehei fez um verdadeiro banquete pra família que estava hospedada junto comigo, éramos apenas 7 pessoas (sendo 2 mulheres, 2 adolescentes, uma criança e dois homens adultos) e tinha comida para o triplo de gente. Nunca comi tanto peixe fresco cru em toda minha vida. Com limão, com leite de coco, com cebolas, puro, de tudo quanto foi jeito. A Tehei arrebentou. Eu fiquei emocionado no dia que fui embora com tremenda receptividade em uma ilha tão isolada no meio do nada. Ah, também fiquei arrependido de não ter levado o instrumento musical, ia ser uma farra muito grande pois eles costumam se reunir sempre todas as noites para celebrar e cantar músicas tipicamente taitianas, mas um dia quem sabe eu ainda vou voltar lá 😉
Boa noite !!! Luiz, por favor !!! Poderia me passar o contato dessa pousada ? Obrigado ! Abço,